Artigo: A patada dos filhos

20 de Julho de 2016

Artigo: A patada dos filhos

Uma mãe idosa diz que quando telefona para os filhos prepara-se para receber “patadas”, pelo menos de um deles. Principalmente os idosos são as principais vítimas do desrespeito, grosseria, sarcasmo, deboche, estupidez, fazer pouco caso. O efeito da patada é a mágoa, ressentimento, tristeza, raiva.

As patadas podem ser verbais e não-verbais. As patadas verbais são uma forma de desrespeito em palavras aos pais, avós, professores. Assim, uma garota reclama aos gritos com a mãe "Não sou sua empregada”, e recusa varrer o chão da cozinha, lavar a louça, enfim, ajudar nas tarefas domésticas. As patadas não-verbais vêm em forma de trejeitos, deboches, gestos que ferem a boa intenção dos pais. E também sair da conversa sem pedir licença, se esquivar de um ato carinhoso, bater a porta do quarto, etc.

Antigamente fazia parte da educação aprender a ser obediente e/ou respeitar os pais e os mais velhos. Eram marcas de uma cultura fundadas no sistema patriarcal, a Lei-do-pai. Portanto, nem tudo do patriarcalismo deve ser jogado no lixo. Hoje em dia estes valores estão fora da cartilha educativa dos pais “bananas” e das mães permissivas.  

Evidentemente obedecer não é a mesma coisa que respeitar. Respeitar significa ter consideração para com o próximo. Também é reconhecer a autoridade do pai, professor, padre, patrão, capitão, juiz, chefe, etc. Obedecer é ser submisso a uma autoridade, é acatar uma ordem, sem questionar. É o “sim, senhor”, dirigido ao patrão, ao superior militar, etc. A obediência está relacionada ao medo de alguém supostamente forte ou autoritário. Mas ser obediente também é acatar uma ordem que visa o bem da criança, e caso esta não seja cumprida poderá sofrer reprimenda. Por exemplo, a mãe diz ao filho “Vai tomar banho”, “Não coma isto porque faz mal”, “Não fume”, “Não use drogas”.

O respeito está ligado à autoridade – atenção – não é se submeter ao autoritarismo. “Uma sociedade onde exista respeito terá lideranças com autoridade sem serem autoritários. Uma sociedade onde exista obediência terá chefes autoritários sem terem autoridade”.

A psicanalista Françoise Dolto, no livro “O evangelho à luz da psicanálise” observa que está escrito na Bíblia que devemos honrar pai e mãe, isto é, “devemos tanto respeitá-los como lhes fornecer meios de subsistência na velhice”. A tradição judaica, Torá, valoriza mais o respeito aos pais do que a simples obediência, porque ser obediente não significa necessariamente que se tem respeito.

Entretanto, hoje convivemos com o declínio da autoridade do pai e da mãe, e as patadas dos filhos são sintomas de desrespeito e desobediência aos mais velhos em geral. Está cada vez mais difícil ser respeitado na nossa sociedade. Por seu lado, os filhos da “geração internet” creem que sabem mais do que seus pais, e por isso os ignoram ou não reconhecem a experiência dos mais velhos. 

Contudo, “educamos para civilizar, isto é, transmitir o legado da humanidade para as novas gerações, tentando fazê-las conscientes de que comparecem a um mundo que é o lar comum às múltiplas gerações humanas”, escreve a filósofa Hanna Arendt. Precisamos resgatar a autoridade de pai e de mãe, tanto para prevenir as patadas dos filhos como para formar uma nova geração que respeita o seu “próximo”. 


Raymundo de Lima

Publicado na Revista Maringá Missão de julho de 2016