A GENEROSIDADE VENCE TODAS AS CARÊNCIAS
Na Liturgia deste Domingo, XXXII do Tempo Comum, veremos, na 1ª Leitura (1Rs 17,10-16), que a generosidade vence todas as formas de carências, pois a “Viúva de Sarepta” (que representa todos os que sabem partilhar), mesmo vivendo na pobreza, quando partilha o que tem (não o que sobra), por obediência à Palavra de Deus, gera vida e esperança ao seu redor e ainda atrai as bênçãos de Deus.
No Evangelho (Mc 12,38-44), Jesus nos previne quanto ao modo de proceder em relação à vivência da caridade, diz que o exibicionismo e a ostentação são formas de culto à superioridade e não agradam a Deus. Ele nos diz que o que conta diante de Deus não é a quantidade que doamos, mas a disposição interior no agir, o afeto com que se oferece. Na oferta, não damos algo exterior, mas o ‘si mesmo’, extensão de nossa interioridade. A generosidade não é doar algo que sobra, mas até aquilo que nos custa e é mais necessário ainda na vida de outras pessoas que são carentes. Jesus observa o gesto da ‘Viúva no Templo’ que oferece não só o que pode, mas tudo o que tem.
Santo Agostinho e o amor aos pobres
Para Santo Agostinho, os pobres devem ser amados com caridade. Eles, geralmente, não estão ligados a nós por vínculos naturais e afetivos. Além disso, a própria condição econômica, social, cultural e até física em que se encontram mais nos afastam do que nos aproximam deles. Portanto, se o nosso amor por eles for movido apenas por interesses deste tipo é sinal de que, de fato, jamais os amaremos. Então, só a verdadeira caridade pode nos aproximar dos pobres e nos fazer reconhecer neles o próximo, a quem devemos amar como a nós mesmos. Quem ama a Deus pratica seus ensinamentos e passa a ver em cada ser humano, carente de misericórdia, o seu próximo. É diante dos pobres que somos provados se realmente amamos a Deus e demonstramos realmente o que move as nossas ações: “Pode haver obra mais manifesta da caridade do que atender aos pobres?” (Comentário da 1ª Epístola de São João VI,2).
Provamos que encontramos a Deus e estamos em comunhão com Ele se amamos os pobres, caso contrário resta-nos ainda uma última chance: fazer da misericórdia para com os indigentes e necessitados o nosso caminho mais seguro para o encontro com Deus. É a caridade que nos une a Deus.
Santo Agostinho nos diz que não devemos desejar que sempre existam pobres a fim de que não nos falte esta oportunidade de salvação. Pensar assim seria o mesmo que admitir que a nossa misericórdia não é autêntica, visto que ela não brota da verdadeira caridade. Quem age movido pela caridade não aceita que nenhum homem lhe seja inferior, ao contrário, tudo faz para torná-los iguais. Assim, aquele que ama com perfeita caridade não se contenta apenas em dar do que lhe sobra; uma vez que ela desperta nele uma nova inquietude, chamada fome e sede de justiça, que o leva a lutar para corrigir as desigualdades sociais:
Na verdade, não devemos desejar que haja miseráveis para termos ocasião de realizar obras de misericórdia. Tu dás pão a quem tem fome, mas melhor seria que ninguém passasse fome, que não tivesse ninguém para dar! Vestes o que está nu. Aprouvesse ao céu que todos fossem vestidos e que essa necessidade não se fizesse sentir! Todos esses serviços, com efeito, respondem a necessidades. Suprimi as carências e as obras de misericórdia cessarão. E as obras de misericórdia cessarão, quer dizer que o ardor da caridade cessará? Mais autêntico é o amor que dedicas a pessoa feliz, que não precisa de teus dons (...) isso porque, prestando serviço a um necessitado, talvez deseje te exaltar diante dele (...) Ele está carente, tu lhe dás parte de teus bens, e porque dás, tu te imaginas superior àquele a quem dás. Deseja, ao contrário, que ele te seja igual! Isso para que ambos estejam sujeitos Aquele a quem nada se pode dar (Ibid., VIII, 5).
No sentido acima proposto, percebemos que “muitas coisas podem ser feitas sob a aparência do bem, mas que não procedem da raiz da caridade” (Ibid., VII, 8). Nos relacionamentos humanos com aparência de caridade, também reside o egoísmo, e este consiste em querer o bem somente a si próprio esquecendo-se do outro; mas também há a generosidade que é a doação de si ao próximo. Egoísmo e generosidade estão misturados ao ser do homem: “Tratava-se de um profundo desgosto pela vida, aliado ao grande medo de morrer. Quanto mais eu amava, creio eu, tanto mais odiava e temia a morte (...) tal era meu estado de espírito” (Confissões IV, 6, 11).
Portanto, se amamos a Deus, devemos nos aproximar dos pobres e não permitir que a mendicância os humilhe ainda mais, devemos devolver o que lhes pertence por direito, isto é, nosso supérfluo. O supérfluo dos ricos é o necessário dos pobres. Possuem bens alheios os que possuem bens supérfluos.
Santo Agostinho, quase no final da obra A Cidade de Deus, fala da paz temporal e da paz espiritual e afirma que o homem realiza a sua felicidade só quando há equilíbrio entre estas duas pazes. Vejamos:
Por paz temporal ele entende a satisfação das necessidades do homem; por paz espiritual a da alma. Porém, ele acrescenta que não há paz espiritual sem a paz temporal. Com isto quer dizer que o fundamento, a base ou, melhor, a condição da paz espiritual é a paz temporal, isto é, a satisfação das necessidades materiais do homem. Santo Agostinho pergunta-se: o que é sobra? É o supérfluo. Então, o versículo evangélico significa: dai aos pobres o supérfluo. Mas Santo Agostinho não para aqui: Há que dar aos pobres como se fossem cães, as sobras? Excessivamente cômodo, mas pouco cristão. Santo Agostinho analisa profundamente o conceito de supérfluo. Supérfluo em relação a quem? Todo homem não está só, vive em sociedade; quando o supérfluo se define dentro da sociedade, então, ele não é considerado em relação a mim, como se eu estivesse sozinho no mundo ou se pudesse isolar-me dos demais. O supérfluo é definido em relação a mim porque sou “socius”, membro pertencente a uma sociedade. Por conseguinte, para definir o meu supérfluo, aquilo que para mim é supérfluo, devo definir em relação ao outro, diz Santo Agostinho. Portanto, define-se assim: aquilo que é supérfluo para você é o necessário para o outro. Definido assim, o supérfluo adquire uma enorme importância social, ou seja, cada homem deve definir o seu supérfluo não em relação a si, mas em relação à necessidade da Sociedade em que vive (SCIACCA, Michele Federico. O Essencial de Santo Agostinho).
Santo Agostinho nos adverte quanto ao orgulho e a ostentação que, muitas vezes, aparentemente, promovem ações em prol da justiça social e que, exteriormente, confundem-se com as ações da caridade. Devemos distinguir o seguinte: enquanto os que possuem a perfeita caridade buscam realmente a igualdade entre os homens, os que agem por ostentação e orgulho, apesar das aparências, de fato, não desejam esta igualdade, visto que, com a chegada dela, desapareceriam as suas oportunidades de autopromoção. Devemos querer que todos os homens nos sejam iguais, pois a busca sincera e ativa desta justiça social é uma das mais profundas expressões da verdadeira caridade (Este texto sobre o amor aos pobres está em minha obra: ‘A Ética como Elemento de Harmonia Social em Santo Agostinho’, Editora Vivens, p. 98-102).
Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus.
Pe. Leomar Antonio Montagna
Presbítero da Arquidiocese de Maringá-PR
Pároco da Paróquia Nossa Senhora das Graças, Sarandi-PR




